A Intervenção de Terceiros na Arbitragem: Limites e Possibilidades

  • Brenno Luna
Publicado dia
2/12/2025
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de leitura
Atualizado em
2/12/2025
  • Arbitragem
  • Arbitralis

Sabemos que, em regra, a arbitragem envolve apenas as pessoas que estão, direta ou indiretamente (Sob a ótica da análise dos contratos coligados) relacionados à convenção de arbitragem firmada no âmbito do contrato firmado.

Isso poderia induzir a ideia de que não é possível que terceiros possam se envolver no procedimento arbitral, assim como é previsto na legislação processual civil. Porém, não é bem assim. Apesar de não haver a previsão expressa na lei de arbitragem (Lei 9.307/96), a doutrina e as boas práticas revelam que a intervenção voluntária de terceiros em processos arbitrais é possível.

A experiência de outros países, também nos auxiliam a entender sobre a possibilidade ou não da intervenção de terceiros na arbitragem.

Considerações sobre a intervenção de terceiros

Inicialmente, devemos relembrar que a intervenção de terceiros é um instituto que consiste na participação, em um processo já em andamento, de uma parte que não figura na relação jurídica original que ocasionou o conflito, porém possui interesse no resultado da ação. Assim, o principal objetivo da intervenção de terceiros é permitir que partes que possam ser afetadas pelos efeitos da decisão tenham a oportunidade de participar do contraditório.

O Código de Processo Civil brasileiro regula as mais diversas modalidades de intervenção, principalmente entre os arts. 119 a 138 do CPC, dentre as quais podemos destacar: a assistência, através da qual um terceiro presta auxílio para uma das partes; o chamamento ao processo ou denunciação à lide, modalidade na qual o terceiro é trazido de forma compulsória para integrar o processo; o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no qual o sócio ou administrador da empresa envolvida é inserido no procedimento; e o amicus curiae, utilizado para permitir a participação de entidades ou especialistas que possuam interesse institucional e reconhecido no tema envolvido.

Portanto, podemos resumir a intervenção de terceiros como um mecanismo que busca ampliar o contraditório e ampla defesa, permitindo que não somente as partes originais participem do processo e busquem formar a convicção do juízo, mas também aqueles que podem ser atingidos pelos efeitos da sentença, sejam eles positivos ou negativos.

A intervenção de terceiros no procedimento arbitral no direito europeu

A intervenção voluntária de terceiros na arbitragem já é fartamente sedimentada nos países da europa, dentre os quais se destacam o direito italiano e português, sendo gradualmente incorporada ao procedimento arbitral como um instrumento que visa aperfeiçoar o devido processo arbitral.

Na Itália, desde o final dos anos 80 e início dos anos 90 já era defendida a ideia de que a intervenção deveria ser admitida quando o terceiro interessado na lide tivesse relação jurídica que dependente da matéria objeto do procedimento arbitral, ainda que não estivesse originalmente na convenção arbitral, defendendo a necessidade da “admissão do terceiro na arbitragem para possibilitar o seu direito de defesa em caso que a decisão arbitral pudesse atingir a sua esfera de direitos”. [1] Marcela (P. 110)

Porém, o consenso à época era “excluir qualquer possibilidade de intervenção de terceiros não signatários da convenção de arbitragem no procedimento arbitral, preservando-se a voluntariedade e a necessidade de consentimento do árbitro para o julgamento da demanda”. [2] Marcela (P. 109) 

Esse consenso foi pouco a pouco sendo refutado e o posicionamento defendido por autores como Edoardo F. Ricci e Crisanto Mandrioli foi positivado na legislação italiana com a reforma promovida no Código de Processo Civil italiano, através do decreto legislativo nº 40/2006, inserido expressamente a possibilidade de intervenção de terceiros no processo arbitral, mediante o consentimento das partes e dos árbitros, através do artigo 816, dispondo que “a intervenção voluntária ou o chamamento de um terceiro para o procedimento arbitral só são permitidos com o acordo do terceiro e das partes e com o consentimento dos árbitros”. [3]

Em Portugal, a legislação reconhece que a arbitragem é, por natureza, uma expressão da autonomia procedimental das partes, e, através da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011), foi consagrado o princípio da liberdade das partes para moldar o procedimento arbitral, abrindo espaço, consequentemente, para a admissão da intervenção de terceiros.

Aqui, agindo de forma inteligente, os legisladores portugueses entenderam pela “adoção dos princípios e regras gerais aplicáveis à intervenção de terceiros, sem a adoção de conceitos preestabelecidos pelo diploma processual”. [4] O que permite que as partes tenham maior flexibilidade para definir os ritos processuais e como será realizada a intervenção de terceiros no procedimento arbitral, já que não se pode, de forma automática, utilizar todo o arcabouço previsto no Código de Processo Civil, sem se atentar às especificidades do processo arbitral.

Para que a intervenção possa ser concretizada, é necessário um acordo entre os envolvidos e o tribunal arbitral, pois, tratando-se de um processo que exprime o conceito de autonomia, não é possível permitir que um terceiro intervenha no processo arbitral sem que os originalmente envolvidos possam se manifestar, tampouco é possível conceber que um terceiro seja forçado a participar do procedimento arbitral sem que tenha sido oportunizado o direito de aceitar ou recusar.

Importante ressaltarmos que a lei de arbitragem voluntária tem caráter supletivo, pois não impede que as partes, quando da assinatura da convenção de arbitragem, possam excluir a possibilidade de intervenção de terceiros, seja ela provocada ou espontânea, como dito alhures, dando liberdade procedimental aos envolvidos.

Em síntese, a experiência europeia demonstra que a intervenção de terceiros na arbitragem não é uma anomalia, mas uma resposta à complexidade das relações jurídicas. A tendência europeia aponta para um modelo de “abertura procedimental compatível com a autonomia da vontade”.

Como a intervenção de terceiros pode ser aplicada na arbitragem brasileira

A ausência de previsão expressa sobre a intervenção de terceiros na lei de arbitragem não implica que no sistema arbitral brasileiro essa possibilidade não exista. Pelo contrário, acreditamos ser plenamente possível a intervenção de terceiros, desde que sejam respeitados os princípios da autonomia da vontade das partes, do contraditório e da ampla defesa.

Assim, devemos entender a intervenção de terceiros como um instrumento para concretização do devido processo legal dentro do procedimento arbitral, permitindo a participação de terceiros não signatários da convenção arbitral original, desde que possuam vínculo jurídico dependente do objeto que está em discussão.

A arbitragem no Brasil deve ser entendida da mesma forma que os legisladores europeus, como a expressão da autonomia procedimental, visualizando a arbitragem como um sistema processual autônomo, e não como um sistema preso aos limites do Processo Civil.

Não obstante, o ingresso de terceiros devem, em regra, observar critérios importantes, como: consentimento expresso das partes originárias e do terceiro interessado; interesse jurídico direto ou dependente do objeto da demanda; compatibilidade com o regulamento arbitral aplicável, devendo ser analisado se o regulamento permite a intervenção de terceiros; bem como a preservação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, garantindo maior segurança à sentença arbitral, evitando futuras alegações de nulidade baseadas em cerceamento de defesa.

Conclusão: abertura controlada sem violar a autonomia contratual

A análise da intervenção de terceiros na arbitragem demonstra a importância que  o tema passou a ostentar, mormente diante de relações empresariais atuais que são marcadas por múltiplos contratos coligados, grupos societários e cadeias produtivas interdependentes, nas quais uma única decisão pode irradiar efeitos muito além das partes que originalmente firmaram o compromisso arbitral.

Neste contexto, a Arbitralis, enquanto instituição dedicada à excelência e à inovação na resolução de disputas, acompanha atentamente esses movimentos de transformação.

Com base em práticas internacionais consolidadas e constante atualização técnica, a Arbitralis reafirma seu compromisso em promover o debate jurídico de alto nível, fomentar a evolução normativa e procedimental da arbitragem no Brasil e garantir que cada procedimento seja conduzido com segurança, transparência e aderência aos melhores padrões.

Mais do que administrar procedimentos, a Arbitralis se propõe a construir conhecimento e aprimorar a cultura arbitral, estimulando reflexões que tornem a arbitragem mais acessível, coerente e eficiente.

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[1] FARIA, Marcela Kohlbach de. Participação de terceiros na arbitragem: o equilíbrio entre a autonomia da vontade e o devido processo legal. Tese (Doutorado em Direito) — Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, 2019. P. 110.

[2] FARIA, Marcela Kohlbach de. Participação de terceiros na arbitragem: o equilíbrio entre a autonomia da vontade e o devido processo legal. Tese (Doutorado em Direito) — Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, 2019. P. 109.

[3] 816-quinquies (Intervento di terzi e successione nel diritto controverso). – L’intervento volontario o la chiamata in arbitrato di un terzo sono ammessi solo con l’accordo del terzo e delle parti e con il consenso degli arbitri.

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